Da Desnecessidade de decretação da Prisão Preventiva

desnecessidade-prisão-preventiva

O excessivo rigor do julgador de primeiro grau

Em nosso ordenamento jurídico a regra é a liberdade. Em situações especiais surge a necessidade de que o infrator permaneça enclausurado de maneira preventiva. Pois bem, a prisão preventiva deve sempre ser a exceção.

Ocorre que em algumas situações há, de certa forma, verdadeira antecipação de pena e julgamento, já que sem oferecer risco algum os indiciados simplesmente são expostos à longas prisões cautelares.

Sem analisar especificamente o caso em si, temos que durante determinado julgamento de Habeas Corpus foi reconhecida a desnecessidade da prisão preventiva, conforme excerto abaixo colacionado:

DA PRISÃO PREVENTIVA

Não desconsidero que o enquadramento do tráfico ilícito de entorpecentes é, obviamente, por demais grave. Muitos outros delitos podem ser praticados em função de o usuário obter recursos para adquirir mais quantidade da droga, ou seja, a propagação da droga por meio de sua comercialização traz consequências que transbordam o ato isolado de traficar. Ainda, o delito de tráfico de entorpecentes reveste-se de especial gravidade para a sociedade, e a fim de evitar-se a disseminação perniciosa da droga, se faz necessária a prisão a fim de garantir a ordem pública.

(..)

Entretanto, a meu sentir, no caso concreto, diante do contexto apresentado, tenho que a prisão preventiva foi decretada num determinado contexto que não se afigura persistir. Os elementos constantes nos autos não trazem qualquer subsídio a confirmar o periculum libertatis, ao menos neste momento, em relação ao ora paciente, pelo que, assim, não há motivo para mantê-lo segregado, principalmente diante da irregularidade constatada na prisão pela não realização da solenidade de custódia.

A segregação se deu em um momento pré-judicial, considerando o flagrante ocorrido, o qual teria decorrido de denúncias acerca do transporte de drogas, por parte do flagrado. Não há, contudo, nenhum informe de que estivesse sendo previamente investigado o paciente, de que tenha efetivamente algum envolvimento com a traficância ou de que pertença alguma organização criminosa, ao menos neste momento. Outrossim, tampouco há elementos a denotarem ter sido deferida alguma medida investigativa ou expedido mandado de busca e apreensão, ou mesmo de prisão, previamente.

Ainda, por outro lado, nada há de concreto de que em liberdade ofereça risco à ordem pública ou à instrução criminal.

Ademais, o crime pelo qual recai a acusação, na hipótese em análise, se efetivamente praticado pelo paciente, é sem violência ou grave ameaça, não havendo nenhum outro fato narrado que desabone sua conduta, sequer há relato de que seja pessoa perigosa ou violenta.

Ainda, na hipótese em análise, nada há de concreto, no caso em exame, a indicar que, se colocado em liberdade, o paciente continuará a delinquir, nem mesmo de que poderá se evadir do distrito da culpa ou, ainda, prejudicar a instrução criminal. (…)

Com efeito, a cautelar não pode servir como instrumento de antecipação de eventual pena, nem servir de escudo social contra a presunção de potencialidade delitiva do indivíduo. Isso porque a ordem pública sempre é abalada por um ato delituoso, mas isto para autorizar a prisão preventiva precisa ir além, não sendo possível partir do pressuposto de que a gravidade do delito, por si só, gera abalo à ordem pública e justifica a custódia cautelar. Fosse assim, a ordem pública seria sempre violada pelo cometimento de qualquer delito. E isso, por si só, não é suficiente para autorizar a segregação preventiva de um indivíduo. Exige-se, para tanto, a demonstração de que, posto em liberdade, continuará colocando em risco a ordem pública ou o normal desenvolvimento do feito.

Nesse cenário, sublinho que a prisão cautelar, exceção, deve ser fundamentada de forma a demonstrar sua pertinência, não bastando a simples alegação do motivo, no caso, a garantia da ordem pública em razão da gravidade abstrata do crime imputado ao indivíduo. É necessária a demonstração de que a liberdade do acusado refletirá efetivo prejuízo da ordem pública, à instrução criminal ou, ainda, para a lei penal – de que frustrará a instrução criminal, poderá destruir provas, frustrar a aplicação da lei penal, de que se evadirá do distrito da culpa ou, também, de que possa ameaçar testemunhas –, inexistindo na hipótese em análise, ao menos neste momento, elementos a justificarem a necessidade de manutenção da constrição. Não há sequer demonstração da efetiva periculosidade do acusado, somente a suposição de que em liberdade poderá delinquir. E isso, por si só, não é suficiente para amparar a decretação da prisão preventiva. Ou seja, o Estado de Direito exige do cidadão um comportamento, mas impõe, também, ao Estado subordinação à Lei. A gravidade do fato, por si só, não autoriza a inversão das regras penais e processuais penais.

Realço, assim, que a função precípua da prisão preventiva é acautelar o processo penal, assegurando a presença do sujeito passivo no processo penal; garantindo uma firme averiguação dos fatos e a própria pena. Logo, a segregação cautelar há de considerar a exigência de liberdade e a necessidade da custódia. E sendo assim, entendo que a prisão preventiva é medida de natureza excepcional, resguardada às hipóteses em que, comprovado o fumus comissi delicti e presentes indícios suficientes de autoria, restar demonstrado o periculum libertatis indicativo da concreta situação de perigo gerada pela liberdade do agente.

Além do mais, na mesma linha, destaco que no âmbito do Supremo Tribunal Federal tem sido o entendimento uníssono, no sentido de que a prisão preventiva, sem base em elementos fáticos concretos, é medida que exige, além do alto grau de probabilidade da materialidade e da autoria (fumus commissi delicti), a indicação concreta da situação de perigo gerada pelo estado de liberdade do imputado (periculum libertatis) e a efetiva demonstração de que essa situação de risco somente poderá ser evitada com a máxima compressão da liberdade do imputado. E sendo assim, há a necessidade de indicação dos pressupostos fáticos que autorizam a conclusão de que o imputado, em liberdade, criará riscos para os meios ou o resultado do processo.

No caso concreto, embora relatado na decisão que decreta a segregação cautelar, a destinação da droga para terceiros, diante das circunstâncias fáticas e pela quantidade de entorpecente apreendida com os flagrados, observados os limites de cognição sumária inerente ao juízo liminar e as condições pessoais do ora paciente, tenho que, neste momento, é possível a substituição da prisão cautelar por cautelares diversas, pois ausentes indicativos concretos, por ora, que justifiquem a necessidade de imposição e sequer de manutenção da medida extrema em razão do risco à ordem pública ou à instrução criminal.

Assim, sendo regra a liberdade e a prisão processual uma exceção, considerando, no entanto, as circunstâncias fáticas do caso, tenho como adequada e suficiente, na hipótese em comento, a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares.

Sublinho, ainda, que a revogação da cautelar, por ora, não impede a imposição de novas medidas, caso demonstrada tal necessidade no curso da tramitação do processo. (TJ-RS 0327982-42.2019.8.21.7000)

Dessa forma, busca-se contribuir para uma análise da (des) necessidade da decretação da prisão preventiva, algo tão banalizado em nosso ordenamento jurídico e que acaba por destruir milhares de vidas, ceifando sonhos e a dignidade de quem poderia estar livremente convivendo com os seus, mas acaba enjaulado sem sentença transitada em julgado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Abrir bate-papo
Olá 👋
Podemos ajudá-lo?